Me lembro como se fosse ontem. Eu era jovem, trabalhava em uma multinacional e tinha acabado de ser promovido pra gerente de comunicação. Graças a um comunicado interno na empresa, dessas campanhas solidárias, não fui trabalhar e me dirigi direto para um hemocentro. Chegando lá, me levaram para uma sala e me fizeram várias perguntas. Tudo estava indo muito bem, até eu dizer que era gay e que tinha uma relação estável monogâmica há anos: “Se você é gay você não pode doar sangue”
Na época eu ainda relutei, pois não sabia: “Mas eu sou casado. Não tenho nenhuma doença. Nada que me impeça de doar sangue. Não vou poder doar só porque sou gay?”. A mulher, me tratando como um lixo, respondeu “Não. Vocês são classificados como grupo de risco!”. E foi neste dia que eu nunca me senti tão péssimo por ser gay em toda a minha vida. Como isso? Depois, indignado, fui pesquisar e descobri que nenhum LGBT poderia doar sangue só por ser LGBT.
A luta da comunidade LGBT para doar sangue percorreu anos. Sempre acompanhando o movimento imaginei que algum dia alguém derrubaria essa regra absurda. Afinal, não existe mais grupo de risco e sim comportamento de risco. Mas isso nunca aconteceu embora diversas tentativas (e de diversas entidades).
Até que o tema foi discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada em junho de 2016 pelo PSB e que começou a ser julgado em outubro de 2017. Mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Com a pandemia e os hemocentros precisando de sangue, o assunto voltou à agenda do STF.
Entre idas e vindas, então, 7 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal votaram finalmente pela suspensão das normas restritivas do Ministério da Saúde e da Anvisa nesta sexta 08/05. Data histórica e que segundo especialistas a decisão poderá abastecer hemocentros do País em até 1,5 milhão de litros de sangue por mês.
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Segundo o amigo Paulo Iotti, que inclusive escreveu uma nota no verso do meu livro O Armário no ano passado, a decisão é imediata. Mas até os hemocentros acatarem e normalizarem a doação de sangue por pessoas LGBTs dentro dos seus hemocentros levará um certo tempo (de inclusão e adaptação).
Mas que é uma vitória histórica, é. Afinal, só eu sei o que eu sofri e o que muitos LGBTs sofreram ao terem ido doar sangue para salvar vidas e não terem conseguido doar só por serem pessoas LGBTs. Sim, pessoas da sigla B e T também fazem parte desta decisão.